quinta-feira, 30 de abril de 2009

O homem moderno prisioneiro de seu vazio interior


O homem moderno prisioneiro de seu vazio interior



Mergulhado no abismo infinito das superfícies, o homem moderno caminho só. Será enfim, a liberdade conquistada? Será o descompromisso com o sangue, a tradição, a família, o encontro, enfim, concretizado da existência com a verdade do ser? Numa palavra, haverá substância humana sem fantasmas? Qual o encanto das casas, das ruas, das árvores sem almas que lhes corporifiquem a alteridade do mistério? Sim, o mistério das coisas é o próprio encanto das coisas.

Entre o olhar-clareira do ser a possibilidade da visão, há toda a densidade da luz que se descortina. Imagens que se duplicam para cada olhar do ser, sua correspondente magia de coisa que se permite ser. Caminhamos desacompanhados de nossa sombra (esse inconsciente pessoal que ilumina o caminho e o sugere como momento de descanso em dia de trabalho árduo) esquecemos a memória porque dela não mais nos lembramos, viajamos para o futuro, sem bússola nem dor nostálgica.

Anestesiamos o mundo de sua fatal carga de utopia. Nossos filhos emudecidos. Que a cirurgia não derrote a pulsação, porém. Ao desencantarmos as instituições sociais, que forjam a construção do ego e suas metamorfoses desencantamos um certo jeito de ver o mundo. Um certo de ver com o olhar que o projetava. Nas grandes cidades um certo silêncio, feito de violência juvenil, de indiferença, de escárnio, riso histérico nos cinemas, nos bares, contudo um altissonante silêncio. Um homem e seu carro.

Uns homens e suas trocas simbólicas-maquinações cosméticas de um certo desejo mimético-homem e suas inegáveis companhias metafóricas, outros homens. Insisto, um altissonante silêncio. Escorre pelos dedos, está nas praças, prepara as refeições noturnas, alimenta os velhos, contagia as crianças, até o cão adestrado e maquiníco o suporta com olhos líquidos a espera de vida macia. Não a carne, mas o que falta para o seu sabor: apetite. Perdemos então o mistério do passado institucional e o apetite para com o presente.

Conquistamos uma inegável capacidade de tolerância interracial, somos permissíveis em relação a comportamentos estranhíssimos, temos uma sensibilidade generosa para as tragédias e misérias televisivas e, contudo, muitas vezes rodopiamos no estetismo mais inócuo, na tolerância transformada em tanto faz.

Foi preciso que suplantássemos a noite velada do mistério para desvendarmos a nudez, sem encanto, da claridade absoluta. A claridade nos cegará? Mas existe uma ciência social ainda falando da vida? Vejam a economia, por exemplo, o que tem a nos dizer? Economia é uma coisa tão seria que não deveria se deixada nas mãos de economistas, nos ensinava o velho escritor inglês, Bernard Shaw.

Ao cientificarmos o mundo, positivamente, o matematizamos. Retalhamos o humano para medí-lo, pesá-lo, para prever suas reações comportamentais, para discipliná-lo. E o quê restou deste humano? Apenas discursos frios sobre gráficos e números. O objeto científico, solidão é mesmo objeto? Quem conseguirá penetrar profundamente na alma humana, para la escandir o que chamamos solidão?

A modernização das sociedades ocidentais, ao outorgar a validade de grupos sociais em eterno conflito, criou certa subjetividade muito peculiar. A construção social do 'eu' passa a não obedecer quaisquer prescrições normativas de ordem consuetudinária, mas só ergue-se em meio à arruaça dos especialistas e administradores de corpos e mentes.

Parece que o enfraquecimento dos laços representacionais da comunidade criou um o sujeito moderno-desamparado e por isso mesmo arrogante e violento. Dependente de conselhos terapêuticos, de modismos fugazes, o 'eu' moderno é tanto mais instável quanto mais pode dizer bem alto: EU EXISTO.

O caso daquele garoto Linderbergue aprisionando e matando sua namorada Eloá, me parece um exemplo paradigmático deste desespero! Se a modernidade instaura a diversidade ampla de comportamentos possíveis e aceitáveis, algo ficou pra trás: a segurança de pertencermos ao mesmo fluxo de sangue de nossos antepassados, a algum lugar de referência em nossa memória histórica. Desterritorializado, o espaço perde o peso da fixação para ganhar uma dimensão puramente temporal: vivemos em função da agenda de compromissos e o lugar passou a ser a manifestação fantasmagórica dos minutos disponíveis durante o dia.

Átomos terapêuticos: permitimos que o outro nos elogie por alguns pequenos instantes, porque mais seria uma conversa redundante! Não se trata de falarmos em solidão como alguma incapacidade emocional de sujeitos, trata-se sim, de percebermos vidas que pulsam e matizam suas cores de silêncio e desamparo, num mundo exausto porque demasiadamente competitivo e desértico ainda que super povoado por fantasmas e suas solitárias sombras narcísicas.

Alguém já reparou na idade dos meninos e meninas que matam e seviciam suas vítimas sem qualquer compaixão? Alguém já observou a idade dos jovens que perdem a vida em nosso trânsito enlouquecido?

A solidão do sujeito moderno, particularmente, os jovens, é sinal que a cultura do prazer e do consumo nada mais significa que um convite ao escapismo e à violência desmesurada.

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